quinta-feira, 28 de abril de 2011

Quando a flexibilidade rima com precariedade, não existe conciliação

Ora bem, flexibilidade no trabalho...
A minha mãe sempre trabalhou em casa: para além de mãe e dona de casa, costura para fora e faz toda a papelada do escritório dos meus pais e tios, pelo que fomos quatro irmãos com mãe presente e agora são quatro netas com avó. Ela é que sabe, ela é que manda, ela é que dá o pão, logo a educação ( é quase assim!)
Quando eu comecei a trabalhar na construção civil, em 1998, solteiríssima, o horário era horrível, o cansaço mais que muito, mas não tinha outras obrigações, o salário era bom, a vida corria-me bem, dentro do possível. Depois de 2000, quando casei, passou a ser um inferno, conseguir conjugar a vida de casada e a do trabalho, e em 2001 desisti de lutar e saí desse bom emprego, onde, pelo menos, e por troca de horas de serviço a mais, não remuneradas, nunca ninguém teve a menor retaliação se fosse preciso faltar um dia para tratar de algum assunto, ou chegar atrasada por algum motivo. Isto tenho de admitir!.
Consegui um emprego em part-time, bem remunerado, e foram os dias da minha vida em que tive tempo para tratar de mim, e fazer o batalhão de tratamentos para engravidar... Mas como tudo o que é bom termina, a empresa estava a enganar-me nos descontos e saí.
Rapidamente encontrei um emprego com uma remuneração de sonho, mas que eu pagava em horas e centenas de quilómetros, diariamente. Fiquei grávida, e o patrão logo sugeriu que não seria preciso licença de parto completa, certo? Alguns dias antes do parto, e continuando a fazer entre 150 a 600km por dia, conforme o dia da semana, despedi-me. Nunca mais voltei a ver um ordenado daqueles...
Fui imediatamente contratada pelo patrão do part-time, desta vez em full-time, mas com horário certinho, que jurou não voltar a enganar-me ( mas como é sabido, quem mais jura, mais mente!) Como o marido ficou desempregado durante a minha licença de parto, trocámos, e fui eu trabalhar, ao fim de 4 meses. Trabalhei lá mais 2 anos, nasceu a 2ª filha, e quando regressei da licença de parto, já a empresa se tinha desmoronado, e para além de inúmeras falcatruas que fizeram com o meu nome, na minha ausência, saí de lá com 6 meses de salário em atraso, diversos subsídios por receber, e ainda com o tribunal à perna, por causa do burlão do patrão.
Em menos de 15 dias, e com uma miúda de 30 meses e outra de 6, voltei a trabalhar, e fiz questão de negociar um horário certinho, em troco de um salário reduzido. O salário manteve-se reduzido, mas o horário descambou e passou a ser ainda pior que antes, e se tinha contrato para uma super-obra, pouco a pouco já eram 3 e mais e mais e mais, e apesar de todas as horas extra não remunerados e os quase 1000km por semana não podia sair às 17 ou 18h para ir ao médico com as filhas sem ter de pedir licença ao chefe, depois aos recursos humanos e por fim ao patrão, sendo repreendida se saía a horas ( 18h, ao fim de 8 h de trabalho e 1 de almoço), pelo que saí, em Novembro de 2007, porque não aguentava mais.
Continuei o resto do ano a trabalhar para eles a recibos verdes, em casa, e em Janeiro de 2008 criei a minha empresa, muito micro, por sinal, no rebentar da crise. Uma mulher, num mundo de homens, sem ajudas nem subsídios, a fazer um trabalho novo, para a mentalidade da maioria dos construtores.
O salário foi reduzido ao mínimo. O sistema de impostos e contribuições é implacável.
Nestes 3 últimos anos, consegui estar ao dispor das filhas na escola , na patinagem. Estou a concluir um mestrado, já fiz mais formações. Dei aulas num Politécnico, dei formação. Aceitei todo o trabalho honesto que me proponham. Tive dias de 17 e 18h seguidas de trabalho, dias de começar às 2 da manhã. Nunca falhei prazos nem deixei clientes enrascados. Clientes, que por vezes, demoram 6 e 7 meses a pagar, e às vezes, com cheques carecas.
Trabalhei de noite, se tinha de estar disponível para elas de dia. Fui honesta, nunca entrei em esquemas, abstenho-me de usar o factor cunha.
Nos últimos meses o trabalho diminuiu para números insuportáveis, e estou quase a desistir.
O sonho de mais um filho, desvanece-se, no final de mais um ciclo de tratamentos, que parece não ter sido bem sucedido. O stress desiquilibra-me, e a procura de conforto vê-se no peso.
Hoje, não passo necessidades, mas também não tinha necessidade de fazer conta à vida se não tivesse lutado pela flexibilidade de horário. Arrependo-me de ter deixado o primeiro emprego. Arrependo-me pelos milhares de euros que fiz a família perder, com tudo o que eu não tenho recebido, e não é só o diferencial do que devia receber agora, para o que recebia antes, são os meses de salários que eu, simplesmente, não me consigo pagar. Arrependo-me de termos tido de abdicar da casa dos nossos sonhos, e de todas as férias e viagens que ficaram por fazer.
Só não me arrependo de estar disponível para os meus tesouros. O tempo dirá, se compensou.
Se hoje achasse um part-time, até umas 30h semanais flexíveis, não olharia a orgulhos, éticas e coisas do género, fechava a empresa e ia para lá. Mesmo que detestasse, a segurança de um ordenado ao fim do mês, por agora, seria suficiente.
Margarida Fernandes Ruivaco

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