sexta-feira, 29 de abril de 2011

Reflexões, flexibilizações e outras exclamações

Queria muito participar nesta revolução porque acredito que a flexibilização iria permitir tantas mudanças nesta nossa sociedade que tenho imensa pena que não se tenha esta noção generalizada. Nós como país somos comodistas, aceitamos o que nos impingem. Somos de brandos costumes e pouco revolucionários. Só assim se explica termos chegado a este momento de insatisfação generalizada sem que ninguém reclame verdadeiramente.

Eu trabalho. A minha mãe sempre trabalhou. A minha avó não. Ou melhor trabalhava sim, muito, mas estava em casa e estava lá sempre que eu precisava de um sitio para passar os dias sem escola. E era bom. Lembro com carinho as tardes com a avó Céu e aquele ritmo de aldeia em que tudo passa devagar, onde havia crianças para brincar na rua ou tempo para ler um livro em silêncio estendida no sofá a meio da tarde só porque apetecia e as mercearias que chegavam numa carrinha todas as semanas. Gostava que os meus filhos tivessem um gostinho daquele ritmo lento e delicioso mas a avó Céu já foi embora e a avó deles ainda trabalha todos os dias sem perspectiva de se reformar tão cedo (?).

Se pararmos para pensar sobre o ponto onde chegámos actualmente como sociedade muitas coisas não fazem sentido nenhum. Trabalhamos todos, pais mães e (muitos) avós. Trabalhamos todos por isso temos de ter os filhos nas creches desde os 5 meses. Uma grande massa trabalha basicamente para ganhar dinheiro, porque é preciso pagar a creche e as outras contas (que incluem gasolina, almoços e cafés entre outros gastos que se fazem para trabalhar), temos de os ter lá mais tempo do que o desejável porque é preciso "vestir a camisola" para não correr o risco de perder o emprego. Depois os filhos crescem um pouco e passa-se a pagar mais os prolongamentos ou ATLs onde os temos de ter, porque trabalhamos porque precisamos do dinheiro, mais as actividades extra-curriculares que assim os mantém ocupados nas horas que não estamos. E entra-se num ciclo vicioso em que trabalhamos para ganhar dinheiro para coisas que à partida não deveríamos precisar.

Teoricamente sou uma privilegiada vivo numa cidade pequena sem grande trânsito. Foi uma opção consciente minha de abdicar de uma carreira que me preenchesse (e de um salário melhor) para poder ter filhos aqui e poder ter de certa forma maior disponibilidade mental para eles. Teoricamente tudo perfeito. Mas, sinto que vivemos nesta corrida contra o tempo como o resto dos pais deste país.

Dizia alguém que se tornou melhor trabalhadora depois da maternidade. Eu confesso que não foi o meu caso. Desiludi-me com o contrato não renovado por causa da 1ª gravidez. Depois mais tarde, já noutro trabalho e já na 2ª gravidez, fui com os esgares mal disfarçados de cada vez que tinha de chegar mais tarde porque tinha consultas durante a gravidez, as caras feias ao meu pedido de 5 meses (em vez dos tradicionais 4) de licença de maternidade, dos narizes torcidos por sair mais cedo quando tinha direito à licença de amamentação (foram torcidos mas gozei-a, muitas mulheres não conseguem gozar este que é seu direito). Desmotivo de cada vez que tenho os filhos doentes e não posso ficar com eles. E cada vez que criticam os atrasos das manhãs, em o filho pequeno se agarra ao meu pescoço e não há nada que o faça largar ou a mais velha birra porque não quer aquela roupa nem aquele pequeno-almoço, e ignoram o trabalho impecável que fiz no dia anterior apesar da noite mal dormida.

Acredito piamente que se pudesse fazer parte do meu trabalho em casa nos meus próprios horários ou pudesse reduzir, em 2 horas que fosse, a minha jornada diária, seria melhor trabalhadora, mais produtiva e muito mais motivada de certeza absoluta. E teria mais tempo para os miúdos, sem tanta culpa e tanta correria. Seria portanto melhor mãe e melhor trabalhadora. E dando-lhes mais tempo estaria a criar melhores indivíduos. Estamos todas a criar os homens e mulheres de amanhã, o futuro. Não percebo como chegámos, como sociedade, ao ponto de considerar este trabalho tão inferior perante os outros todos.

A flexibilização seria boa?

Arriscava-me a dizer que seria uma solução para vários problemas.
Muitos. Meus, teus, nossos, deles.

L.
(34 anos, 2 filhos)

(Gostava muito de ter a perspectiva masculina deste movimento. Gostava mesmo. Será que os pais das crianças tb não gostariam de ter essa flexibilidade e serem eles a ir buscar os miúdos à escola, ou não trabalhariam mais satisfeitos e relaxados sabendo que as suas crianças estariam em casa às 17h a comer um pão preparado pelas mãos da mãe, em vez de estarem enfiados num ATL esperando a hora de alguém os poder buscar?)

2 comentários:

  1. oh pá, mais um post ao qual aplaudo de pé. diz tudo.
    a minha mãe era "doméstica" (inicialmente por opção, depois porque, mm que quisesse n podia, por causa de uma doença incapacitante), e eu sempre tive essas férias relaxadas, com um longo e calmo passar de horas, entre desenhos animados, brincadeiras em casa de vizinhos ou idas à praia... os nossos míudos hoje em dia estão em férias e têm de se levantar cedo na mesma para irem para os infantários e ATL's, pq nós temos de ir trabalhar.. :-S

    ResponderEliminar
  2. ai, as minhas ferias na avo Alice... os dias de verao q nao acabavam nunca; as ferias de natal sentada a lareira de volta de um livro... :)

    ora ai esta... "outra" via possivel - a libertacao dos avos (pelo menos um deles, q isto dos tostoes para pagar reformas tb nao anda bem) mais cedo da vida activa.

    e ja agora, tb caia bem aqui, para alem da perspectiva XY, a perspectiva do patrao, q dizem?

    ResponderEliminar