sexta-feira, 29 de abril de 2011

Era uma vez ...

... uma rapariga que trabalhava. Solteira, sem filhos, sem compromissos de maior, trabalhava e isso era tudo na vida dela. Entrava às 10h e saía quando calhava, às vezes às 19h, outras às 22h, outras à meia-noite. Era conforme o trabalho que havia e estava tudo bem.

A rapariga teve filhos, casou, tem uma família. Sair às 19h é dramático, depois disso é impossível. Não é suposto acontecer, mas acontece quando há mais trabalho. O próprio horário "oficial" já deixou de ser compatível com a realidade desta rapariga, mas aí nada a fazer... por enquanto.

Se pudesse, esta rapariga teria um horário que lhe permitisse ser mãe e mulher e dona de casa e trabalhar com igual motivação. Qualquer coisa como 9h30 - 17h30, com meia hora de almoço. E sem resvalar, não era ter este horário e depois ficar todos os dias a trabalhar até às 19h, que aí era pior a emenda que o soneto. Se pudesse, esta rapariga trabalhava meio tempo no escritório e o resto em casa, que no que faz é perfeitamente possível trabalhar em casa. Se pudesse, esta rapariga não se sentia culpada por uma coisa que é natural e de que não tem culpa nenhuma. É desumano que nos sintamos culpados por estar a cumprir horários à risca e não andar a dar meias horas todos os dias, porque temos uma família que também precisa de nós.

A rapariga precisa de trabalhar, porque tem contas para pagar e filhos para alimentar. A empresa precisa da rapariga porque há trabalho que tem que ser feito. Os filhos dela precisam dela porque... bem, porque é mãe deles e não precisamos de ninguém como precisamos de uma mãe.

Vai daí, flexibilizar a coisa era o ideal. Haver um ajuste da realidade do trabalho à realidade dos funcionários, não prejudicando o empregador e não prejudicando o empregado. É óbvio que, prejudicando o empregador, a questão não se põe, porque a ideia não é fazer de cada empresa uma pequena sucursal da Santa Casa da Misericórdia. Mas fazer dos empregados putas sempre disponíveis também não me parece nada bem.

Por isso, no mundo ideal desta rapariga, os horários seriam ajustados sem perdas para nenhum dos lados. Nas sete horas e meia que tem que trabalhar, trabalha. Depois disse está em horário pessoal e tem mais que fazer: filhos para ir buscar à avó e ao colégio, banhos para dar, jantares para fazer, brincar com os miúdos, deitá-los, ler-lhes uma história, dizer-lhes que os ama sem ter um relógio a bater-lhe na cabeça e a gritar "despachem-se que já são onze da noite". Porque, no meu mundo real, sem esta flexibilidade de que falo e que seria ouro sobre azul para mim, daqui a dois meses hei-de andar assoberbada, a correr todos os dias, a desesperar com os miúdos porque precisam de dormir e já é tarde e eu só cheguei às tantas e assim é impossível chegar a todo o lado. E, para mim, a família está em primeiro lugar. Não estava, quando comecei a trabalhar naquela empresa, porque na altura vivia sozinha e tinha todo o tempo livre para mim. Isso acabou e agora é pelos meus filhos que tenho que me reger e eles não se compadecem com uma mãe que aparece em casa às tantas, esgotada, stressada e em parafuso com tudo o que ainda há a fazer depois de sair do escritório.

A revolução industrial foi uma coisa boa, a ideia de as mulheres trabalharem como os homens também, mas a realidade vai um bocado mais além destes dois factos. A realidade é que as mulheres têm que chegar a todo o lado e isso não é fácil. Não é fácil compatibilizar dois papéis tão absorventes e ser irrepreensível em ambos. Não é fácil porque o tempo não estica, o dia só tem vinte e quatro horas. E depois é ver-nos frustradas porque não conseguimos chegar a todo o lado. É por isso que sou pela flexibilização. Porque uma mulher que sente que cumpre tudo o que se espera dela é uma mulher realizada, que depois acaba por conseguir fazer mais e melhor. E não é isso que se quer, que façamos tudo o que podemos, de maneira excelente e sem falhas?

A vossa,
Estemerinda (Marianne)

http://not-sofast.blogspot.com/2011/04/era-uma-vez.html

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