quinta-feira, 28 de abril de 2011

Eu, o miúdo e o mercado de trabalho…

Eu não quero trabalhar em casa. Já trabalhei, durante três anos, e não gostei. Sim, podia gerir os meus horários, mas o resultado disso era que tinha disponibilidade total, estava sempre a trabalhar, das 9h às 23h, com pequenas pausas para comer, às vezes uma pausa para a aula de yoga. Mas tinha ficado desempregada, trabalhava a recibos verdes e só uma das minhas funções era fixa, portanto só um determinado valor era fixo – e desse valor quase 400 euros iam à vida, para o IRS e para a Segurança Social. Não chegava para pagar as contas, tinha de trabalhar mais: passava horas a pensar em trabalhos e argumentos para os vender a sítios diferentes, fazia propostas, esperava respostas, depois acumulavam-se vários trabalhos ao mesmo tempo e eu dava o litro a todas as horas. Agora, com um filho, aquela vida seria impossível: às cinco horas tenho de o ir buscar à escola e com ele em casa não consigo trabalhar. Acho que também não gostaria de trabalhar em casa se fosse quadro de uma empresa, ou tivesse um contrato. Sentiria falta das pessoas e de sair daquelas quatro paredes. Isso asfixiava-me muito e agora, com um filho, acho que me asfixiaria ainda mais. Para além disso, quando trabalhava em casa dava por mim a encher máquinas de roupa ou a estendê-las nas pausas do trabalho e aquilo só me confundia ainda mais: era trabalhadora escrava e doméstica sopeira tudo ao mesmo tempo. Agora, com o trabalho doméstico duplicado pelo nascimento do miúdo (mais roupa para lavar e passar e o jantar para fazer em vez do “arranjo qualquer coisa em cinco minutos, logo se vê” – só para referir dois aspetos que não sejam reveladores da minha quase obsessão pela casa direitinha e arrumadinha que nunca consigo ter), o tempo extra para despachar a lida da casa até daria jeito, mas digo não, obrigada, não quero ser sopeira enquanto trabalho, prefiro ser doméstica só a partir das 17h em vez de o ser o dia todo, em simultâneo com o trabalho não doméstico.

Também não quero trabalhar a tempo parcial, a não ser que fosse um trabalho parcial com um ordenado igual ou superior ao meu, coisa que não me parece que exista. Mas gostava que existisse um verdadeiro mercado de trabalho a tempo parcial para ser possível optar. Talvez se tivesse um segundo filho precisasse dele. E aí a redução de salário poderia compensar, porque o tempo suplementar para tratar dos miúdos serviria para evitar a minha loucura e isso é muito importante – quando recomecei a trabalhar depois de o meu filho nascer foi muito duro, (não) imagino o que poderá ser com dois.

Horário reduzido, ou comprimido, sim, é o que eu tenho e não me posso queixar: trabalho das 10h às 17h, com meia hora para almoço. Sou flexível: às vezes entro mais cedo ou saio mais tarde, mas não muito mais tarde porque tenho de ser eu a ir buscar o miúdo à escola. Às vezes também trabalho depois de chegar a casa, mas fico numa pilha de nervos porque é muito difícil concentrar-me e ser rápida quando tenho o miúdo a fazer-me mil e uma solicitações, a chamar a atenção, a chorar, a dizer mãe quero isto, não, afinal é aquilo, a querer sentar-se no computador que eu preciso de usar. Mesmo quando não tenho trabalho para fazer em casa, não faço outra coisa senão trabalhar: vou buscar o puto, enfio-me na cozinha a preparar o jantar, deixo a coisa a marinar para tratar das roupas (meter na máquina, tirar do secador, apanhar do estendal, passar a ferro) e para lhe dar banho, acabo o jantar, jantamos, arrumo tudo, “desmaio” no sofá, o miúdo já está cheio de sono, deito-o, ligo as máquinas da roupa e da loiça (para aproveitar a tarifa bi-horária), fico feita parva a olhar para a televisão uns minutos e aterro na cama (não é sempre sempre assim, mas quase).

Se tenho o horário que quero (ou o melhor horário que posso ter), o que mais posso querer? Que deixem de me penalizar (nas avaliações, por exemplo, mas também no ordenado) por não ter disponibilidade total. Por não ser como a jovem colega que tem muito menos experiência, que até passa a tarde toda a olhar para o boneco, mas que está lá para o que der e vier na hora em que eu tenho mesmo de sair para ir buscar o puto. Eu já fui a jovem colega sem experiência com toda a disponibilidade do mundo e sei como é. Entretanto passaram-se anos, ganhei experiência, fui mãe e percebo – não só por ser mãe – que há outras coisas que têm de ser avaliadas. A pressão nem é muito grande e sei que eles sabem que dou o litro enquanto cá estou. Mas sei que, quando olham para mim, o que vêem é a lacuna de não poder dá-lo sempre.

Também gostava que a licença de maternidade fosse mais longa e que o mês de licença do pai fosse obrigatório e pago a 100 por cento. Para não haver pais com medo de o gozar porque acham que vão ser penalizados nos empregos, que vão ficar mal vistos, que já não vão ser promovidos, ou que vão ter avaliações negativas. E gostava que fosse possível regressar ao emprego que já se tinha com uma redução de horário superior às duas horas de dispensa para amamentação durante algum tempo, o tempo que fosse preciso para estarmos efetivamente aptas para regressar ao trabalho. O nosso empregador não tem culpa se o nosso filho não nos deixa dormir durante a noite, mas enquanto o bebé não aprende a dormir a sério nós não conseguimos ser tão produtivos e – acreditem – não é culpa nossa, é mesmo do sono. O horário comprimido que tenho é o horário normal na minha empresa. Em Espanha, diz-me uma amiga, as mães podem pedir redução de horário até os filhos fazerem oito anos.

Esta é uma tentativa de contributo para a tentativa de revolucionar para flexibilizar que anda a acontecer aqui.
Charlotte

1 comentário:

  1. excelente texto. concordo em tudo! tens é de me dizer onde é que trabalhas!!! :)

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