Tempo de antena - partido das Mães
São dez e meia de noite e o meu dia de trabalho terminou há minutos. Levantei-me às seis e quarenta e cinco, fiz pequenos-almoços e preparei lanches, deixei as crianças na escola, trabalhei oito horas seguidas, almocei em dez minutos, passei duas horas a pegar e largar os miúdos, cheguei a casa, estendi e apanhei roupa, fiz o jantar, ajudei nos trabalhos de casa, dobrei meias e cuecas, mimei, gritei, contei histórias, hoje não brinquei (às vezes brinco), arrumei a cozinha, apaguei luzes, fumei um cigarro e sentei-me em frente do computador. Nem sempre é assim, mas calha que vinte e oito de Abril de dois mil e onze é quinta-feira, um dia "difícil". O meu marido ainda não chegou a casa. Quando ele está, é mais fácil.Tenho sorte. O meu marido colabora nas tarefas domésticas (colabora, sublinho; é raro ter iniciativa ou tomar decisões). Vivo perto da minha mãe que já se reformou e que ajuda imenso, e tenho um patrão porreiro, pá! É Estado. Este patrão não se sentiria confortável em negar-me os meus direitos laborais, se bem que a minha luta pelos mesmos tenha sido dura. Ainda sinto os musculos doridos. Basicamente, trabalho das oito e meia às quatro. Sempre que é preciso e me é possível trabalho mais. Há dias em que saio depois das sete. Não cobro horas a mais se não me cobrarem horas a menos. (Também ninguém mas pagaria).
Em termos de flexibilização do trabalho institucional, confesso que nem me posso queixar muito. Se gostava que fosse douta maneira? Claro que sim. Para mim o trabalho é uma necessidade absoluta do ponto de vista financeiro; preferia que não fosse. Gostava de ter ficado em casa durante muito mais tempo com cada um dos meus bebés. Gostava de não ter que pagar uma pipa de massa pela creche do mais novo só porque não há opções de creches públicas. Gostava de não estar com o coração nas mãos sempre que se aproxima um período de férias escolares e o estado não me oferece qualquer opção sobre ocupação de tempos livres. Gostava que algures alguém lesse as dezenas de propostas que envio com ideias, alternativas, soluções. Ninguém lê, ninguém quer saber. A gente que se desenrasque.
E se por cada filho, ganhássemos uma hora por mês? Já era qualquer coisa. Ou um dia de férias. Ou mais dias para assistência à família? É que nem me atrevo a sugerir mais abono de família, menos iva ou fraldas a 6%. Era só tempo, se faz favor.
É o que mais me aflige na falta de flexibilidade, o tempo. Não poder ser a dona do meu nem ter o tempo que considero suficiente para estar com os meus filhos. Custa-me, por exemplo, não poder escolher a opção da semana de quatro dias (não posso abdicar de vinte por cento do pouco que ganho) e ficar com um dia para nós, para cozinhar para uma semana, tratar da roupa duma semana, ir às compras, ter algum tempo para mim. Faço todas estas coisas à noite, sacrifico horas de sono e de brincadeira com os miúdos. Há muitas horas de trabalho depois do emprego e essas, ninguém as quer ver, ninguém as paga. Sim, é a vida que eu escolhi, mas nunca escolhi ser escrava dum estado mau pagador e pouco amigo das políticas de apoio à natalidade, não me dando margem para outras opções.
A alternativa de vivermos numa cidade pequena tem-se revelado uma das nossas melhores opções de vida. É tudo mais perto, mais barato, mais acessível. Mesmo em termos de justiça social no contexto de trabalho, sinto que aqui é mais simples. É como se houvesse uma maior aproximação aos valores da família. Já o disse acima, e repito, porque é importante - o que tenho em termos de flexibilidade de trabalho partiu de mim, de muitas horas a ler legislação, a escrever requerimentos, a levar com nãos na cara, a reescrever, a ser olhada de lado. Foi um processo de anos que abriu precedentes no sítio onde trabalho. É um processo de que silenciosamente me orgulho.
De nada valem as críticas e as listas do que está bem ou mal se não se arregaçarem as mangas para mudar o que está errado. Foi com base nesta ideia que quis colaborar neste flash mob desde o início. Quando comecei a cozinhar este texto, lembrei-me imediatamente duma conversa de há anos, na qual, com amigas de quem tenho saudades, idealizámos o partido das mães. Eu voto.
Mãe Galinha
http://mae-galinha.blogs.sapo.pt/
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