Já era chegado o dia de dizermos de nossa justiça. O dia é hoje.
Já várias vezes me ouviram desabafar sobre este tema e de como é difícil, para uma mulher, conciliar trabalho fora de casa, com o trabalho doméstico e os filhos, que são a parcela mais importante de todas estas equações.
Vou generalizar, porque todos sabemos que há excepções, por isso, as excepções que não se sintam melindradas nem incluídas.
Que, regra geral, as mulheres ganham menos que os homens, já é sabido. Que são penalizadas pelas entidades empregadoras depois de serem mães, por faltarem quando os filhos estão doentes, por precisarem de entrar mais tarde ou sair mais cedo um dia ou outro, também é do conhecimento de todas. Quem nunca passou por dilemas destes? Eu já.
Estive em casa 3 anos, após o nascimento do meu primeiro filho. Ainda dentro deste período resolvemos, eu e o meu marido, ter o segundo. Deste modo, dado que só planeávamos ter 2 filhos, pensava eu, ficaria mais livre e "empregável" quando resolvesse voltar ao mundo do trabalho. Enganei-me. As entrevistas, por si só, são descriminadoras e há perguntas pessoais que foram feitas, que me incomodaram de sobremaneira. Se era casada, se tinha filhos, se planeava ter mais, onde andavam na escola, como faria para os ir buscar caso o trabalho se prolongasse após o expediente, onde trabalhava o meu marido, etc...podia continuar. Isto é real.
Acabei por ficar empregada numa empresa, onde até fui muito feliz, nestes últimos 3 anos. O horário era das 9h às 17:30h, melhor do que sair às 18h. Claro que passei sempre por momentos de stress e constrangimento quando precisava de pedir para ir com as crianças ao médico, quando tinha reuniões na escola dos miúdos ou quando tinha mesmo que faltar por doença deles ou mesmo minha, que isto de ficar doente, hoje em dia, já é mal visto. Ir trabalhar aos caídos cai sempre muito bem aos olhos do patrão.
Sempre me senti insatisfeita e incompleta. Nunca convivi bem com a maternidade em part time. Sempre desejei trabalhar em algo a partir de casa. Algo que me permitisse a minha própria organização pessoal e doméstica. Algo que me desse liberdade para dar assistência à família sem me sentir quase criminosa.
Fui despedida no fim do ano passado. Estava a contrato, quase há 3 anos, contrato de trabalho temporário que, na prática, são contratos que se renovam automaticamente a cada mês e que permitem à entidade empregadora dispensar o trabalhador quando lhe for mais conveniente. Dado que já existia no ar alguma pressão para passar a contrato directo com a empresa, o mais fácil foi mandarem-me embora "e tal, que os projectos eram poucos, a crise e tal". O que é certo é que sei que nem 2 meses depois já estava outra pessoa no meu lugar. É triste. Não há vínculos com o trabalhador. Nenhuns. E os meus vínculos com os meus filhos não podiam ser mais fortes. Aquilo que lhes dedico será sempre recompensado e valorizado. De muitas maneiras e nem todas elas visíveis a curto prazo. Estou em casa e é disto que preciso para ser feliz. Se gostava de ter um trabalho. Tipo tele trabalho? Maravilha. Adorava. Não conheço nada do género em Portugal. Os rendimentos fariam certamente muita falta, nesta fase do campeonato, em que não está fácil para ninguém, muito menos para uma família apenas com um ordenado e 4 bocas para alimentar. E não, não sou rica nem o meu marido ganha um chorudo ordenado.
Esta opção não é só para quem pode, por vezes é escolhida por pessoas como eu, que não podem, mas querem muito. E o que se perde compensa em dobro naquilo que se ganha em termos emocionais e familiares porque, por muito que as pessoas não queiram admitir, o que está a desmembrar a nossa sociedade, os jovens à toa, sem valores, as crianças problemáticas e deprimidas, a violência nas escolas, a falta de autoridade dos pais, tudo tem uma só raiz. A família passou para 2º ou 3º plano e uma coisa assim só poderá continuar a penalizar-nos a todos, em proporções que nem nós imaginamos. Eu sou pela maternidade a tempo inteiro e pelo trabalho a partir de casa. Infelizmente não há opções para as mulheres nesta área. É terreno virgem. Mas tenho esperança que Portugal, como tantos outros países com uma cultura que trata muito melhor as crianças do que a nossa, possa ainda abrir os olhos a tempo de eu desfrutar dessa hipótese.
Raquel Silva
http://maedoskiduxos.blogspot.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário