A minha vida não é exemplo para ninguém. Tenho um marido que trabalha uma média de 14 a 16 horas por dia (e trabalha mesmo, não fica por lá a ver o ar passar-lhe à frente) e que, quando chega a casa, conta os minutos para se poder ir deitar. Portanto, não pode fazer muito em casa, nem eu lho posso exigir.
No meu caso, a flexibilização é a solução para os meus problemas. Porque agora estou em casa e asseguro bem as coisas (e sim, tenho tempo para ter hobbies), mas quando for trabalhar vai ser complicado. Vou viver a contra-relógio, sempre com um tic-tac a martelar-me a cabeça e a dizer-me que tenho que me despachar para ir buscar os meus filhos, que tenho que me despachar para fazer o jantar, que tenho que me despachar a passar a ferro, que tenho que me despachar a deixar prontas as coisas do dia seguinte, que tenho que me despachar a dormir, que tenho que me despachar de manhã, que tenho que me despachar a despachar os miúdos, que tenho que me despachar a deixá-los, que tenho que me despachar a chegar ao trabalho, que tenho que despachar assuntos, que tenho que me despachar a almoçar, se quero despachar-me a horas de começar tudo isto outra vez. E só de escrever fiquei cansada.
Ninguém gosta de trabalhar angustiado. Ninguém gosta da sensação de passar a vida sem motivação, a contar os minutos para estar a milhas dali, noutro lugar qualquer. Ninguém gosta de ser infeliz.
Uma empresa onde as pessoas trabalham com vontade, porque sabem que são respeitadas enquanto pessoas e não apenas enquanto produtoras de qualquer coisa, é uma empresa mais bem sucedida, onde as pessoas se sentem bem, onde sentem que são recompensadas pelas horas, pelo esforço que dão à empresa.
No fundo, é fácil motivar as pessoas. Basta dar-lhes o que é seu por direito. Um trabalho não é um favor que a empresa faz ao empregado. É uma dinâmica de troca: a empresa dá e recebe, o empregado dá e recebe. Os trabalhadores não têm que sentir que lhes está a ser feito um favor quando usufruem dos seus direitos, sejam eles quais forem. E as empresas também não têm que sentir que o empregado que cumpre horários, que cumpre o que lhe pedem e que executa as suas tarefas está a fazer um favor. Não está, é pago para isso.
Outra coisa: instituiu-se que esta coisa de trabalhar das nove às seis é porreira. Uma estupidez. Então um país que tem 900km de costa marítima (logo, praias), que tem bom tempo durante metade do ano, acha que este horário-tipo faz alguém feliz? Os nórdicos, como têm aquela condição de viverem de noite nove meses por ano, resolveram - e bem - adaptar o trabalho a isso. Trabalha-se das oito às dezasseis ou das sete às quinze. Oito horas, como cá. Sem hora de almoço - é engolir qualquer coisa, uma sandes, por exemplo, e seguir. E às quatro da tarde estão livres para ir buscar os filhos e viver a rotina do dia a dia que, julgo, é igual em todo o lado: banhos, jantar, cama. Ou, no caso de quem não tem filhos, às quatro da tarde estão livres para ir ler um livro, ver um filme, o que for. Então não era de um país como o nosso deixar a preguiça de lado e aproveitar o tempo? Com um horário destes (real, cumprido, e não um horário daqueles que é assim no papel e depois na realidade é outra coisa qualquer - como os bancos, que toda a gente sabe que não funcionam só das oito às quatro), começaríamos a trabalhar mais cedo mas ficaríamos livres mais cedo. Aproveitávamos mais o tempo, produzíamos mais, vivíamos mais. Mas cá o que impera é o culto da lanzeira: duas horas de almoço, vinte e cinco pausas para cigarros e café por dia, mais o lanche, mais o segundo pequeno-almoço, mais...
Daqui a vinte anos não quero sentir que não vivi a infância dos meus filhos porque estive barricada a trabalhar. Sim, o trabalho é importante. Mas, para mim, o mais importante é a minha família. E, se um dia tiver uma empresa, o mais importante há-de continuar a ser a minha família e as famílias das pessoas que trabalharem comigo. Eu não vivo para trabalhar, trabalho para viver. E isto não tem que ser ofensivo para ninguém.
Agora ide. Ide ver como vai a revolução!
Marianne
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