domingo, 1 de maio de 2011

Eu queria trabalhar melhor e ser ao mesmo tempo uma mãe melhor e uma pessoa mais feliz, e por tudo isto, mais útil à sociedade

Tenho um emprego porque preciso de ganhar um salário. Se não precisasse de dinheiro, não tinha um emprego. Não preciso da realização pelo trabalho, pelo trabalho enquanto função produtiva numa empresa que está no nosso sistema de organização laboral, que é capitalista (ainda). Isto é um ponto prévio para que fique clara a minha posição quanto ao trabalho - não acho que ter um trabalho remunerado faça de nós melhores pessoas porque sim. Aliás, não tenho pachorra para o discurso da realização pelo trabalho.
Não obstante, desde que me tornei mãe, sou melhor trabalhadora porque estou mais focada, porque organizo melhor o meu tempo, porque estou mais concentrada e me disperso muito menos. E tudo isto porque tenho vontade de sair a horas para estar mais tempo com a minha filha. Não desperdiço um quarto de hora que seja, lancho a trabalhar, corro de e para o comboio e tudo isso vale a pena por mais um bocadinho com ela cada dia.
Sou uma pessoa angustiada como todas as mães que têm que ter um emprego. Acho que quase todas as mães que trabalham sofrem um bocadinho. Não é que não goste do meu emprego. Gosto. Mas gostaria muito mais se não o sentisse como uma prisão.
Eu já prescindi de uma gorda fatia do meu salário para ter um horário menor e melhor, por isso sei o que é trocar dinheiro por tempo em família.
Cheguei a um ponto em que alcancei um dilema - sou melhor trabalhadora desde que sou mãe, mas preciso de sair deste esquema de trabalho para ser ainda melhor e mais produtiva e mais feliz e, por ser mais feliz, ser ainda mais e melhor produtiva.
Não seria muito difícil para muitas empresas criar coisas como trabalho por objectivos, ter os trabalhadores a mandar o trabalho de casa, criar flexibilidade de horários, criar bancos de horas. O que é difícil é mudar mentalidades, porque a maioria das pessoas acha que trabalhar é sobretudo ser visto no seu local de trabalho e passar lá mais horas do que as devidas, porque assim aparenta estar muito disponível. Quando eu saio às seis da tarde, quase sempre alguém me diz "Já vais embora?", quando eu já cumpri atarefadamente sete horas de trabalho sem distracções, sem me dispersar. E quando eu entrei de manhã e para isso tive que acordar cedo, deixar a menina no infantário para a voltar a ver, se tudo correr bem, nove longas horas depois.
A maior parte dos dias, estou a trabalhar e a sofrer. Porque estou onde não quero estar e porque, mesmo sendo cada vez melhor trabalhadora, nunca mais terei oportunidades e desafios porque sou mãe e estou limitada na disponibilidade. E estou limitada, na minha vida familiar e social, por ter um horário de trabalho algo rígido - apesar de, na minha profissão, eu ter facilidades de mudar de horário que poucas pessoas têm.
Há outra qestão: eu não sou útil à sociedade só a ganhar um salário e a pagar impostos. Eu sou também útil se puder fazer voluntariado, ajudar os vizinhos, participar nas actividades da escola da minha filha. Quase ninguém tem tempo para fazer isto porque está enfiado numa empresa de manhã à noite, porque acha que tem que se sujeitar e, verdade seja dita, porque somos um povo de criativos mas sem coragem de fazer grandes mudanças sociais.
Eu gostava de trabalhar de outra maneira e seria muito melhor trabalhadora se trabalhasse de outra maneira. Não estou à espera que isso me caia em cima - estou a preparar a minha vida para, logo que seja possível, trabalhar de outra maneira.
Este texto é a resposta a um desafio. Espero que este desafio ganhe consistência e se torne num movimento cívico. Este país precisa de muitas coisas, mas precisa mais do que nunca que os cidadãos se mexam e façam coisas.
Obrigada, Mãe que Capotou, por me teres puxado pelo braço para a tua tribo.
Dora
http://locaishabituais.blogspot.com/2011/04/eu-queria-trabalhar-melhor-e-ser-ao.html

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