domingo, 1 de maio de 2011

Mulheres: Venha daí essa revolução!


Ponto prévio: Dadas as imprevisibilidades do meu trabalho, estou a escrever este texto antes do dia 28, em várias fases. Sim, eu escrevo posts no trabalho, porque em casa estou sempre com o meu filho, e quando estou com ele é difícil estar parada e impossível estar no computador. Às vezes também trabalho em casa, com o computador ligado, mas aí acho que tenho de aguentar os nervos de ter o rapaz ao colo a tentar alcançar as teclas ou de ter de lhe ralhar para me deixar trabalhar.
Mas, ao que interessa, ou seja, ao repto da Mãe que Capotou e à revolução de 28 de abril por um mercado de trabalho mais flexível.
Eu nem sei se devia estar a participar nesta revolução, mas a Ernestina foi tão convincente e persistente e gosto tanto de revoluções e nunca fiz nenhuma que me rendi.
Na verdade, não gosto muito de ouvir falar em flexibilizar o mercado de trabalho, porque associo a palavra à precariedade e já tive uma boa dose disso (ainda tenho - vou no terceiro contrato, não sei quantas renovações me esperam, ou se o que me espera é um pontapé no traseiro), mas considero que é preciso mudar alguma coisa.
Portugal é dos países onde as mulheres estão mais fortemente inseridas no mercado de trabalho, onde há menos trabalho a tempo parcial, onde elas tem jornadas de trabalhos das mais longas e onde elas passam mais tempo ocupadas com trabalho doméstico. O resultado disto não pode ser bonito. A maior parte de nós trabalha fora de casa a tempo inteiro, tem horários de trabalho exigentes e quando sai do trabalho continua a trabalhar em casa. Não pode ser bonito...
Precisamos de trabalhos a tempo parcial, para podermos escolher. Dizem que as mulheres querem estar no mercado de trabalho, mas que depois se angustiam por não estarem com os filhos. É preciso fazer alguma coisa, não tenho dúvidas - batalhar pelo part time é uma delas.
Eu acho que teria apreciado um part-time depois de o meu filho ter nascido, quando ele ainda era muito pequeno, acordava a meio da noite para mamar e eu andava a trabalhar zombie de sono e com as mamas duras como pedra. Mas arranjei um full time por conta de outrem quando ele fez quatro meses e foi a melhor coisinha que me podia ter acontecido. Depois do sufoco de estar dois anos a trabalhar solitariamente em casa como freelancer, de ter trabalhado das 9h às 23h grande parte dos dias, incluindo fins-de-semana, de ter descontado balúrdios para a segurança social, de ter de andar a preencher declarações do IVA trimestralmente, dei graças a todos os santos pelo full time, ainda que o miúdo só tivesse quatro meses, ainda mamasse e eu não tivesse tido coragem para falar em redução de horário para amamentação.
A verdade é que talvez tivesse apreciado o part time se a diferença para o salário que ganho (que não é nenhuma fortuna) não fosse grande, porque com menos do que isto seria muito complicado gerir as coisas. E, mesmo passando mais tempo em casa, não sei se encontraria um infantário onde pagasse menos se ele lá estivesse menos horas.
Não me posso queixar (muito) deste full time. Ganho menos do que mereço e do que seria justo para uma pessoa com os meus anos de profissão, mas o horário é simpático: das 10h às 17h, com meia hora para almoçar. Não me chateiam por aí além por ter de sair à hora a que o horário termina para ir buscar o meu filho, mas eu sinto-me pressionada todos os dias - como se todos os dias fosse avaliada a minha "falta de disponibilidade".
Antes de ter sido freelancer e de ter sido mãe, trabalhava em regime de horário total, sempre disponível, sempre a dar à casa as horas que fossem precisas, sempre disponível para trocar folgas e trabalhar nos feriados. Lembro-me bem que olhava "de lado" as mães que tinham de sair à "horinha certa". Agora estou eu no lugar delas e a revolução que eu queria era horários decentes para pais e mães, o fim dos olhares de lado para quem - sacrilégio! - tem família e tem de cuidar dela porque não tem empregada nem avós à mão de semear, e queria promoções à medida do esforço e da qualidade do trabalho em vez de promoções por conta do género, da disponibilidade ou do fazer de conta que não se tem família e filhos e que se está muito bem a trabalhar quase 24 horas por dia.
O meu marido tem um horário complicado, na maior parte dos dias sai à meia-noite, às vezes mais tarde, outras vezes mais cedo, mas nunca antes das 20h. Não é uma questão de disponibilidade, é mesmo uma questão da especificidade do trabalho. Ele adorava poder chegar a casa mais cedo, estar com o miúdo ao fim da tarde, jogar à bola, ir ao café, ao parque ou às compras como as "famílias normais" que ele vê quando faz uma pausa para lanchar e se angustia por saber que estou eu a dar conta de tudo sozinha e o miúdo está cheio de saudades à espera que ele chegue. Angustia-se ainda mais quando pode vir jantar a casa e depois tem de dizer ao miúdo que não podem brincar mais, que o pai ainda tem de ir trabalhar.
Se me fosse dada a oportunidade de trocar, com uma oferta do género: ele passa a trabalhar com um horário "normal" que lhe permite ir levar e buscar o miúdo ao infantário, tu passas a estar disponível para trabalhar as horas que quiseres ou que forem precisas e ainda tens direito a uma promoção que te vai chegar para - vejam só esta maravilha! - pagar a uma empregada para deixares de ocupar o teu tempo livre a esfregar casas de banho, aspirar, meter roupa na máquina, mudar camas, passar a ferro... Bom, então eu teria de dizer que a parte da empregada é realmente muito sedutora, mas não, obrigada. Eu mereço ganhar mais por aquilo que já faço, uma promoção para mais trabalho vai dar na mesma injustiça. E, essencialmente, digo não, obrigada, porque eu também quero acompanhar a vida do meu filho e não seria capaz de não estar presente.

Portanto, na verdade, a revolução que eu defendo é a mesma de que fala a especialista em Economia do Trabalho Maria do Pilar González no artigo "Profissão:mãe" da Notícias Magazine (o link para o artigo desapareceu): vai ter de haver uma mudança na reorganização da vida privada e familiar, porque a pressão que as empresas atualmente colocam nos seus empregados é insustentável. Exige-se total disponibilidade como se o trabalho doméstico não existisse, mas ele "existe, tem valor social e alguém tem de o fazer". Já que homens e mulheres trabalham fora de casa, devem partilhar o trabalho doméstico. Para isso seria preciso que os homens reivindicassem os seus direitos de paternidade e que as empresas achassem normal que eles os façam, defende a investigadora. Eu cá acho que era também preciso que as empresas deixassem de penalizar as mães que usufruem dos seus direitos de maternidade, mesmo achando normal que elas o façam.
Charlote
http://uma-vida-como-outras.blogspot.com/2011/04/mulheres-venha-dai-essa-revolucao.html

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